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domingo, 3 de setembro de 2017

Carta a Gabriel

Eu sou a resposta que não foi pensada para a pergunta que você fez ha três anos atras. Você me constitui, habita minha memória, minha identidade, meus afetos, minha corporeidade. Não mais te nego, não tento te apagar, muito menos quero te esquecer. Hoje compreendo que você  atualiza-se em mim. Somos amigas, companheiras, confidentes. Somos pessoas diferentes.

Meu olhar mudou. Assusto-me ao lembrar do vazio que preenchi com incertezas, pois compreendo que este lugar não mais existe. Não sou um sujeito faltante, confortado com a ideia de que aquilo que procuro nunca será encontrado. Tenho náuseas ao me pensar enquanto corpo melancólico, triste, saudosista. Compreendi que a tristeza não deve ser naturalizada como uma etapa para consegui experienciar uma inabalável saudade psíquica, que por sinal é utópica. Entendo que momentos de angustias serão comuns em mim, irão me atravessar diversas vezes ao longo desta vida. Contudo, não os naturalizo, e sim os denuncio. Não quero ser um corpo a deriva, quero ser nadador  Mergulhador. Tenho objetivos. Quero aprender a não me afundar, mesmo sabendo que no futuro novamente irei habitar o fundo deste mar de incertezas. Ser saudável é ter um corpo forte o bastante para sobreviver aos inúmeros náufragos.  

Revindico minha felicidade, minha alegria. Reivindico autonomia para produzir um corpo que consegue apontar em si certezas. A transsexualidade não me contempla, muito menos a travestilidade. Tenho me pensado Bixa. Sendo assim pergunto-me: a quem pertence o feminino?. Me perdi nas infinitas possibilidades de identidades que foram-me apresentadas e experimentadas, e as desaprender tem sido complicado, porem necessário.  Venho me reencontrando na Bixa. Sou negra. Sou bixa. Sou feminina. Não mais me nego, me reafirmo, me reivindico. Reivindico ajuda, paciência. Reivindico um novo corpo. Reivindico força para consegui habitar este novo corpo. Reivindico autoria sobre minha vida. Eu me quero, não me nego.

Eu não sou mulher, não sou travesti, essas corporeidade localizam-se em mim como próteses discursas, que potencializam minha bixalidade.  Não forte, não sou maravilhosa, não sou incrível. Não sou um personagem. Não sou Gabriel. Não sou a Castiel que muitos esperam que eu seja. 
Sou intensa, insegura e  frágil. 
Estou me re-conhecendo.
Me redescobrindo.
Me reabitando. 
Me recorporificando. 

Sou mar e rio. Nascente e areia. Sou o ar.